Oficial de Ordenanças - 1806
(Arquivo Histórico Militar)
Os leitores deste blog sabem que o objecto do nosso estudo é
a Ataíja de Cima mas, ao procurar no passado ataijense, inevitavelmente,
deparamo-nos com factos que, podendo parecer-lhe relativamente laterais, se
apresentam como úteis ou necessários à compreensão da aldeia. É o caso das
estruturas de poder no então concelho de Aljubarrota, a que a Ataíja pertenceu
até à sua extinção.
Entre os elementos mais relevantes dessas estruturas de
poder estavam os oficiais de Ordenanças e Milícias, cuja existência fomos
surpreendendo através dos factos da vida objecto de registo paroquial: os
nascimentos, casamentos e óbitos.
Não é aqui o lugar para discorrer sobre o que foram as
Ordenanças e as Milícias em Portugal[i], desde a
sua regulamentação no tempo de D. Sebastião até ao Séc. XIX. Para o que nos
interessa – a identificação das elites locais que, no Séc. XIX e na região onde
se insere a Ataíja de Cima, exerciam funções de oficiais de Ordenanças e de
Milícias – suficiente será saber que os oficiais de Ordenanças eram escolhidos
na área territorial da respectiva unidade, de entre as pessoas “que forem as
mais principais desses territórios, pela sua riqueza, nobreza e representação e
em que concorram as outras qualidades de inteligência, desinteresse e agilidade
própria para semelhantes empregos”[ii].
O facto de, depois da Restauração de 1640 e com funções de
exército de 2ª linha, terem sido criados os Terços de Auxiliares (a partir de
1796, denominados Regimentos de Milícias), daí resultando que, no final do Séc.
XVIII, as Ordenanças estavam transformadas em “simples” estruturas de
recrutamento militar, não nos deve iludir: A origem social, em regra a pequena
nobreza rural, a importância económica e as atribuições relativas ao
recrutamento davam aos oficiais, sobretudo aos Capitães de Ordenanças, um
imenso poder.
Até aos anos 30 do Séc. XIX Aljubarrota foi concelho e teve,
também, a sua Companhia de Ordenanças, uma das dezassete que, em 1833, havia
nos Coutos de Alcobaça onde, igualmente, havia um Regimento de Milícias.
Não surpreende, por isso, que ao estudar os Registos
Paroquiais de São Vicente de Aljubarrota, nos deparemos com os oficiais de
Ordenanças residentes em Aljubarrota, fossem da Companhia de Ordenanças desse
concelho, fossem da Capitania-Mor de Alcobaça, ou do respectivo Regimento de
Milícias.
Nem a vitória do liberalismo nem a extinção das Ordens
Religiosas nem, muito menos, a do concelho de Aljubarrota, na década de 1830,
tiveram, por si, o efeito mágico de fazer desaparecer as estruturas e os
personagens que conformaram a sociedade local no Antigo Regime. De facto,
satisfeito o apetite dos novos enriquecidos com a aquisição dos bens do
Mosteiro, continuaram a subsistir os grandes proprietários que já o eram e o
essencial da imensa teia de servidões e ameaças que impendiam sobre os
camponeses. O recrutamento e conscrição militar não eram as menores dessas
ameaças.
Não parece, por isso, possível compreender as estruturas do
poder concelhio, nessa época vertiginosa que foi toda a primeira parte do Séc.
XIX, sem conhecer quem foram os oficiais de Ordenanças e de Milícias.
Numa listagem não exaustiva, elaborada quase totalmente, a partir da referida obra de Nuno Borrego e dos registos
paroquiais de São Vicente de Aljubarrota, encontrámos
os seguintes, que se indicam por ordem cronológica, da referência mais antiga
para a mais moderna:
Em 3.2.1779, no âmbito das Inquirições sobre a Pureza do Sangue de Francisco Xavier da Veiga, foi inquirido "Veríssimo de Sousa Henriques, capitão de ordenanças da freguesia de São Vicente desta mesma vila de Aljubarrota, natural e baptizado na Colegiada de São João Baptista da vila de Coruche e morador nesta vila há cinquenta e dois anos, viúvo, de idade que disse ser de sessenta e nove anos..."
Em 3.2.1779, no âmbito das Inquirições sobre a Pureza do Sangue de Francisco Xavier da Veiga, foi inquirido "Veríssimo de Sousa Henriques, capitão de ordenanças da freguesia de São Vicente desta mesma vila de Aljubarrota, natural e baptizado na Colegiada de São João Baptista da vila de Coruche e morador nesta vila há cinquenta e dois anos, viúvo, de idade que disse ser de sessenta e nove anos..."
Em 24.10.1785, Joaquim
de Sousa Amado[iii],
recebeu a carta patente de Capitão
de Ordenanças da Vila de Aljubarrota, dos Coutos de Alcobaça, lugar que vagou
por morte de Luís Nunes de Barros.[iv]
Em 21.04.1790, José
Tavares Amado e Azambuja[v] é Capitão de Ordenanças da Companhia de
São Vicente da vila de Aljubarrota, dos Coutos de Alcobaça, cargo que vagou por
morte de Veríssimo de Sousa Henriques.[vi]
Obs.1:
Antes deste José Tavares Amado e Azambuja, encontramos José Gomes Anes Amado de
Azambuja, nascido em Aljubarrota, “Fidalgo de Cota de Armas por Carta de Brazão
de Armas, de 5.10.1721, registada na Câmara de Coimbra”, conforme nos informa o
GeneAll (www.geneall.net,
consultado em 07-03-2014).
Talvez,
o José Tavares Amado e Azambuja e o José Gomes Anes Amado de Azambuja, sejam
parentes.
Obs.2:
Em Aljubarrota existiam, provavelmente, pelo menos, duas Companhias de
Ordenanças, uma em S. Vicente, outra em Nossa Senhora dos Prazeres.
O Capitão Bartolomeu
Rodrigues Carreira é referido num assento de baptismo de 29-05-1799, onde o
seu filho José tocou com procuração da madrinha (e, vale a pena transcrever o
nome) D. Joana Crisóstomo Angélica de Jesus de Sequeira Pote.
12 de Junho de 1801 – falecimento do
Capitão Bartolomeu Rodrigues Carreira, casado com “Dona Maria Dorothea desta dita
Villa e Freguesia”. Recebeu os Sacramentos. Fez testamento selado e foi
enterrado dentro da Igreja Paroquial de São Vicente de Aljubarrota.
Obs.:
Houve um outro Bartolomeu Rodrigues Carreira, também capitão e, certamente,
familiar deste, como deduzo dos factos de, em 17-08-1805, um Bartolomeu
Rodrigues Carreira ter sido testemunha de um casamento em S. Vicente e por, no
livro Aljubarrota
Villa[vii], uma das estampas insertas entre págs. 34 e
35, reproduzir uma fotografia do “Capitão Bartholomeu Rodrigues Carreira”.
O Alferes
João da Silva[viii],
da Vila, é mencionado num assento de óbito ocorrido em 09-11-1800. Não encontrámos
outras referências a este indivíduo.
Em 29-05-1801, o Sargento-Mor Engenheiro, Tomás Rodrigues da Costa[ix] é mencionado no assento
de óbito da sua viúva, D. Maria Rosalia Lourenço, ocorrido nessa data. Não
temos outra informação sobre este oficial que, aparentemente, residiu em
Aljubarrota
Segundo Nuno Borrego[x], Gregório José Gomes Botelho recebeu, em
24.05.1802, a patente de Capitão da
Companhia de Ordenanças de Aljubarrota, sucedendo no cargo a Bartolomeu
Rodrigues Carreira, por morte deste.
Foi, ainda segundo Nuno Borrego, reformado
em 17.12.1808.
Obs.: Tomás José Maria Botelho, quase sempre
referido pelo Pároco apenas como Tomás José Maria, era filho do Capitão
Gregório Botelho e foi, frequente e continuadamente, testemunha de actos
litúrgicos objecto de assento, cujos assinava. Aparentemente, desempenhava
funções na Igreja de S. Vicente mas, essas funções nunca são identificadas nos
assentos a que tivemos acesso.
Em 24.11.1804, o Alferes José Tavares[xi], de Aljubarrota, foi
padrinho de casamento de Manuel João, da Ataíja de Cima, com Luisa Coelho da
Ataíja de Baixo, onde o casal ficou morador.
Em, 25-11-1807, o Alferes José
Tavares (assim o identifica o assento) que assinou José Tavares Amado, foi
testemunha do casamento de João Carreira, da Ataíja de Baixo, com Mónica
Joaquina, do Cadouço, onde o casal ficou a residir.
Obs.: Trata-se, certamente, da mesma pessoa em ambos estes casos.
Capitão Manuel Pedro
Gomes Botelho, reformado em 17.12.1808[xii].
Obs.: Não encontrámos, nos assentos paroquiais, referência a um Capitão
Manuel Pedro Gomes Botelho mas, aparentemente, trata-se de um familiar (talvez
irmão) do Capitão Gregório José Gomes Botelho.
Em 20.02.1812, António
Maria Correia de Almeida, recebeu carta patente de Capitão de Ordenanças da freguesia de São Vicente da vila de
Aljubarrota, dos Coutos de Alcobaça, lugar que vagou por morte de José Joaquim
Tavares.[xiii]
Obs.: Não encontrámos,
nos assentos paroquiais, referência a um Capitão António Maria Correia de
Almeida. Em contrapartida, encontrámos em 30-09-1818 e em 20-11-1825, um Capitão
António Maria, em 18-12-1856 um Capitão António Maria Correia e, em
22-04-1861,um Capitão António Maria Correia de Mendonça e Olivença.
Pertenceu ao Capitão
António Maria (e ainda se encontra na família), a bela residência que é
conhecida por “Casa dos Capitães”, um dos edifícios civis mais interessantes de
Aljubarrota, junto à Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres e cuja actual traça é
resultado de uma reconstrução de 1779.
José Joaquim Tavares, Capitão de ordenanças de São Vicente de
Aljubarrota, antes de 1812, como se deduz da informação de Nuno Borrego segundo
a qual terá falecido e sido substituído, no início desse ano, pelo Capitão
António Maria.
Em 12.09.1815, Manuel
do Rosário de Oliveira Baena, Capitão
da 6ª Companhia de Ordenanças, da vila de Aljubarrota, que vagou pela promoção
de António Maria Correia a Capitão de milícias.[xiv]
Obs.: Não encontrámos, nos assentos paroquiais, referências a este Capitão
Manuel do Rosário de Oliveira Baena. Em contrapartida encontramos, com os
apelidos Oliveira Baena, alguns Doutores e, até, um escravo. Havemos de voltar
a este assunto.
Alferes António Gomes (que assinou António gomes
Coelho), do Lugar da Boavista. Foi testemunha, em 12 de Janeiro de 1822, na
escritura de testamento de Micaela dos Santos, da Ataíja de Cima, o qual foi
celebrado em Aljubarrota, no Cartório do Tabelião do Público, Judicial e Notas
daquela Vila, José Gomes Coelho.
http://ataijadecima.blogspot.pt/2011/05/um-testamento-de-1822.html
Luís José Baptista de
Sequeira[xv], é
identificado como Tenente em
25-11-1825 e, a partir de 13-06-1830, passa a ser referido como Capitão, como
acontece em 15-04-1833, 19-10-1834, 26-09-1840 (quando foi testemunha no
casamento de D. Maria do Laço, filha do Sargento-Mor António José Baptista de
Sequeira), 18-12-1856, 13-05-1858 e, finalmente, em 07-03-1859, quando foi padrinho de baptismo de 1 criança,
neta dos ataijenses Manuel de Carvalho e Joaquina Rosalia.
Trata-se do oficial que mais vezes encontrámos nos assentos
paroquiais, pelo que mais se estranha a sua ausência do importante trabalho de
Nuno Borrego.
O Sargento-Mor
António José Baptista de Sequeira foi, de acordo com Nuno Borrego
(op.cit.), em 24.07.1780, nomeado Capitão de Ordenanças da vila da Cela, dos
Coutos de Alcobaça, lugar que vagou por escusa de seu pai Simão Baptista de
Sequeira.
Posteriormente, em 27.5.1782, foi promovido a sargento-mor
de Ordenanças dos Coutos de Alcobaça, lugar que vagou por morte de António
Maria Brazão das Neves.
Obs.: Como já acima referido, no casamento de sua filha, ocorrido em 26-09-1840,
(quando o Sargento-Mor já era viúvo), foi testemunha o Capitão Luís José
Baptista de Sequeira. Eram, certamente, familiares.
Atente-se, ainda que, desde a sua nomeação como capitão tinham, já,
decorrido 60 anos. O Sargento-Mor era, naquela data, muito velho.
Tenente Raimundo José de Sousa[xvi], casado com D. Mariana Bárbara da
Purificação, “ambos desta Villa”, referido num assento de baptismo de
08-04-1827 no qual o seu filho José foi padrinho e, também, num outro assento
de baptismo de 28-12-1827, onde ele próprio foi padrinho
Obs.: Não encontrámos
outras referências a este Tenente que, aparentemente, seria filho do Desembargador
do mesmo nome e, portanto, neto do Capitão de Ordenanças de Aljubarrota e
Familiar do Santo Ofício, Veríssimo de Sousa Henriques.
O Desembargador Raimundo
José de Sousa foi Cavaleiro de Cristo, Juiz de Fora da Golegã, Senhor da Quinta
do Porto da Lage (perto de Tomar) e Auditor do Regimento da Praça de Moura e do
Regimento de Beja, Senhor do Morgado de Aljubarrota e pai de Raimundo Veríssimo
de Sousa Lacerda, nascido em 1785, de seu nome completo Raimundo Veríssimo de
Sousa Lacerda e Silva o qual foi Capitão, tenente-coronel e Coronel graduado do
Regimento de Milícia de Tomar e, posteriormente, Coronel do Regimento de Milícias
de Leiria.
Há quem sustente que se
trata da mesma pessoa que encontrámos referida como o Tenente Raimundo José de
Sousa mas, enquanto o nosso Tenente é, segundo o pároco de S. Vicente, casado
com D. Mariana Bárbara da Purificação, o Coronel parece ter sido casado uma
única vez e, com Maria da Graça Freire do Prado.
É assunto que carece de
melhor esclarecimento.
Conforme se vê do assento do casamento,
celebrado em 21-08-1861, do seu filho Joaquim Vitorino, então com 41 anos de
idade[xvii], o Capitão Joaquim Bernardes (ou Bernardo) Correia Triaga[xviii], era filho do Doutor Silvestre Torres Correia Triaga e genro do
Capitão Bartolomeu Rodrigues Carreira, com cuja filha, Gertrudes Cândida do
Carmo de Sequeira, casou em 30-07-1817.
O nome do Capitão Francisco António[xix] “desta dita Villa”,
apareceu-nos pela primeira vez no assento do baptismo, realizado em 30-12-1799,
de Honorata, filha de Teodósio Maria de Oliveira Baena e neta do Doutor João
Baptista de Oliveira Baena, de quem foi padrinho.
A baptizanda era neta materna de Leonardo
Gomes Botelho e, portanto, sobrinha do Alferes Gregório José Gomes Botelho que,
aliás, passados oito dias havia de, também, baptizar uma filha.
Em 09-02-1800, o Capitão Francisco António
baptizou o seu filho Francisco, o qual viria a ser o Almirante Francisco
António Gonçalves Cardoso, cujo o essencial da biografia já demos conta neste
blog, no Post O Almirante Cardoso. Por este assento, ficamos a saber que o
Capitão Francisco António era natural de Lisboa e filho de açorianos da cidade
de Angra (que, naquele tempo, ainda não era do Heroísmo).
O filho do Almirante, João Luís Gonçalves Cardoso, foi também militar, conforme se vê do
assento do casamento de sua irmã, celebrado em 15-12-1884, onde é referido como
“oficial do Batalhão de Caçadores n.º 3 d’África”.
Outros oficiais de Ordenanças e de
Milícias h(aver)á, (e alguns de tropas de linha, quase sempre descendentes
daqueles, como será o caso do Almirante Cardoso). A sua completa inventariação
e o estudo das suas relações familiares e com os povos, será um contributo de
grande importância para o conhecimento das estruturas económicas e sociais e
das relações de poder no concelho de Aljubarrota, na viragem do Antigo Regime
para o Liberalismo.
(Texto publicado neste blog em 13-03-2014. Revisto em 02-05-2017)
[i] Sobre
este assunto pode ler-se Borrego, Nuno Gonçalo Pereira, As Ordenanças e as Milícias em Portugal, subsídios para o seu
estudo, Volume I, Guarda-Mor, Lisboa, 2006, a cujo conteúdo recorremos
abundantemente para a elaboração deste texto.
[ii] Regulamento de Ordenanças de 21 de Fevereiro de 1816.
(Na prática, pouco se alterou desde o Séc. XVI, sendo as funções de oficial das
Companhias de Ordenanças privilégio da nobreza local e, ou, dos mais abastados
proprietários).
[iii]
Identificado por Nuno Borrego, op.cit.
[iv]
Identificado por Nuno Borrego, op.cit.
[v]
Identificado por Nuno Borrego, op.cit.
[vi]
Identificado por Nuno Borrego, op.cit.
[vii]
Santos, Ana Maria Olivença Trindade dos e Rodrigues, José Casimiro, Aljubarrota Villa, VI Centenário da Batalha
de Aljubarrota, 14 de Agosto de 1985, Edição da Paróquia de Aljubarrota
[viii] Não é
referido em Nuno Borrego, op.cit.
[ix] Vista a
especialidade, não faria parte das Ordenanças nem das Mílicias mas, talvez, do Real
Corpo de Engenheiros do Exército Português, o qual foi organizado, com esta
designação, em 1793.
[x] Nuno
Borrego, op.cit.
[xi] Nuno
Borrego, op.cit. identifica um alferes José Tavares no Regimento de Milícias da
Guarda. Não será a mesma pessoa
[xii] Nuno
Borrego, op.cit.
[xiii] Nuno
Borrego, op.cit.
[xiv] Nuno
Borrego, op.cit.
[xv] Não é
referido em Nuno Borrego, op.cit.
[xvi] Não é
referido em Nuno Borrego, op.cit.
[xvii] A
noiva, de 24 anos, era filha do Capitão António Maria Correia
[xviii] Não
é referido em Nuno Borrego, op.cit.
[xix] Não é
referido em Nuno Borrego, op.cit.
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