domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mantas e tapetes de trapos

Os trapos velhos reutilizavam-se para, rasgados em tiras de largura entre um centímetro e um centímetro e meio que se enrolavam em forma de bola, tecer, urdidas com fio de algodão, mantas e tapetes.
Todos sabem o que são mantas e tapetes de trapos e muitos os terão, ainda, em suas casas. Mas muitos não saberão que também se faziam na Ataíja.
Agora já ninguém rasga trapos para mandar fazer mantas mas eu lembro-me de ver a minha avó Lourença a rasgar trapos e conheci, ainda, três teares: Um na casa de Maria Coelha, outro na casa de Maria Branca e um terceiro em casa do Petinga, este já sem uso, guardado em cima da cisterna que existia a um canto do barracão, nas traseiras da taberna onde, nos Domingo de Inverno, se jogava chinquilho.
Todos estes teares deixaram de funcionar nos anos cinquenta do Séc. XX e assim se extinguiu a actividade de tecelagem na Ataíja de Cima.
Eu conhecia a casa de Maria Coelha que era amiga da minha avó e lembro-me bem do tear mas não tenho memória de o ver a trabalhar.
Assim, um dos últimos trabalhos aí feitos há-de ter sido a confecção dos tapetes a que se refere a carta - que julgo ser de 1950 - que Joaquina Coelho escreveu, em nome de sua mãe ao irmão José Coelho que se encontrava a trabalhar em Lisboa.
A carta é apenas uma meia-folha que, dobrada em quatro, acompanhou os tapetes que o filho lhe havia encomendado, certamente a pedido de alguém, talvez a patroa.


Pela carta fica-se a saber que Maria Coelha tinha andado doente, com uma "pontada", (dor aguda, nas costas, que dificulta a respiração) e o preço dos tapetes que tinham, no total, dez metros de comprimento e, como era costume, uma largura que andaria entre os cinquenta e os sessenta centímetros, assim:
Meio quilo de (fio de) algodão (para urdir) - 24$00:
Trabalho de tecer - 20$00;
Dois quilos de trapos - 10$00
É curiosa a opção deixada ao comprador: pagar os trapos, ou entregar igual quantidade "nem que seja por rasgar".
A carta - lembremo-nos de que é escrita por quem nunca andou na escola formal - apresenta uma bonita letra corrida, de bom desenho e, naturalmente, alguns erros de ortografia e, claro, dificuldades na pontuação.
E uma frase muito interessante:
“causefeito a esta pontada estou um pouco milhor”.
Esta palavra, causefeito, não consta dos dicionários. Ouvia-a muitas vezes, com os significados de: Por causa e efeito de; a propósito de; relativamente a; e usava-se quando se pretendia ter um discurso mais elaborado (e as cartas, o acto de escrever que se presume pensado, apresentam sempre um discurso mais elaborado que as conversas correntes).
Quer, assim, a dita frase, dizer: relativamente a esta dor (de que tenho sofrido), estou um pouco melhor.

Sem comentários:

Enviar um comentário