sábado, 30 de dezembro de 2017

Aljubarrota, Prazeres. O ano de 1889 – Baptismos


A necessidade de alargar a ambas as antigas freguesias de Aljubarrota as pesquisas que sustentam os textos que aqui venho colocando, depara com alguns problemas de difícil solução. Sem embargo, as surpresas surgem-nos quando menos esperamos e disso é exemplo o livro de registos de baptismos da freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, relativo ao ano de 1889.

Nesse ano foram baptizadas na freguesia 69 crianças, uma das quais exposta na Pedreira (Molianos). 39 eram rapazes e 30 raparigas e vieram à luz em 12 povoados diferentes, como se indica:
Boavista 13, Pedreira (Molianos) 12, Prazeres (casos em que o padre diz apenas que nasceram “nesta freguesia”) 10, Carvalhal 9, Chequeda e Lagoa do Cão 6 em cada, Lameira 4, Ganilhos 3, Fonte do Ouro e Covões 2 em cada e, finalmente, 1 no Carrascal e 1 exposta.

Destas crianças, 11 eram filhos naturais, quer dizer, de mãe solteira e, em regra, pai desconhecido[i].

Quem eram estas mães? Infelizmente, a idade das mães não consta dos registos de nascimento e, obter essa idade[ii] seria tarefa muito difícil e, em alguns casos, impossível. Não fora assim e talvez pudéssemos confirmar com números o que apenas intuímos: que a idade média das mães de filhos naturais é bastante precoce, designadamente por comparação com a idade das demais mães aquando do nascimento do seu primeiro filho legítimo[iii].

Sabemos, por outro lado, as suas profissões ou ocupações.
Quanto a este ponto, aliás, importa ter presente que, se por um lado o padre era em geral muito rigoroso, distinguindo, por ex. entre profissão, (fulano, pedreiro) e ocupação (sicrana, de ocupação doméstica) por outro lado, na maioria dos casos limitava-se a enunciar uma profissão como comum ao casal (António … e Maria … moleiros, por ex.). Há, ainda, que atentar que as profissões indicadas eram resultado do conhecimento pessoal do padre ou de declaração dos interessados. É, por isso, frequente a profissão de uma determinada pessoa variar de assento para assento. Proprietário aqui é lavrador acolá e trabalhador, ou jornaleiro, em outro assento.
O que podemos concluir com relativa segurança é que, proprietário ou lavrador, trabalhador ou jornaleiro, era pessoa que vivia da terra, fosse trabalhando, fosse mandando trabalhar.
Já quando se indica como profissão uma certa arte ou ofício, podemos considerar com alguma segurança que isso correspondia de facto a mister exercido, fosse a título exclusivo, principal, sazonal ou, até, ocasional.
Inequívoca é a indicação de que se trata de criado (ou criada) de servir. Aqui, não há qualquer espécie de dúvida. Trata-se de alguém que vive sozinho em casa de outrem, em regra em aldeia diferente da de nascimento e residência da família e aí trabalha, de cama e mesa.
O criado ocupa os lugares mais baixos da escala social, apenas acima do mendigo e a par ou abaixo do enjeitado[iv] que, quando era criado de leite, se tornava por vezes uma espécie de meio-irmão dos filhos da ama.

Quem eram, então, quanto à profissão/ocupação, as mães das 69 crianças nascidas na freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres no ano de Graça de 1889?
41 eram jornaleiras, 11 lavradoras, 8 domésticas, de 4 não sabemos a ocupação, 3 eram criadas de servir e, por fim, temos 1 moleira e 1 proprietária.
Destas 69 mães, 11 foram mães solteiras, das quais o padre declarou serem 5 domésticas, 3 criadas de servir e sobre 3 não deu informação de ocupação/profissão.
Quanto à naturalidade dessas 11 mães, apenas 4 eram naturais da freguesia de Prazeres (e, presume-se, da aldeia onde foram mães[v]), 3 eram expostas, 2 da freguesia de Pataias, 1 do Valado dos Frandes e 1 de Alcanede.
Das 3 criadas de servir 2 eram da freguesia de Pataias e 1 exposta.
Note-se, ainda, que das 3 mães de que o padre não indicou profissão/ocupação 2 eram expostas.

Um ano é, obviamente, curto espaço de tempo para se tirarem conclusões. Mas, não podemos deixar de chamar a atenção dos nossos eventuais leitores para o elevado número de crianças nascidas de mães solteiras e, ainda, para o facto de que a maioria destas não era natural da freguesia. Tal como é de atentar em que 3 eram criadas de servir e de outras 3 não sabemos a ocupação, mas sabemos que 2 delas eram expostas e a terceira expôs[vi] o filho.
Seja, tudo aponta para que o isolamento familiar e social e a dependência são factores muito presentes nestes casos de maternidade de mulheres solteiras.

Como já acima referimos, uma das crianças foi exposta na Pedreira (Molianos). Trata-se de um caso apesar de tudo insólito, porquanto a exposição de crianças tinha geralmente lugar junto de estabelecimentos receptores (“rodas”) ou em locais onde, presumivelmente, haveria mais facilidade de a criança ser encontrada e acolhida. Abandonavam-se crianças às portas dos ricos, do padre ou da igreja na madrugada de domingo. Seria curioso saber quem era a Manoella da Piedade para, talvez, perceber porque é que a criança foi abandonada à sua porta e não à porta de outra pessoa:

“Aos dez dias do mês de Julho do anno de mil oito centos e oitenta e nove nesta egreja parochial de Nossa Senhora dos Prazeres d’Aljubarrota baptizei solennemente um indivíduo do sexo masculino a quem dei o nome de Arthur que foi apresentado em casa de Manoella da Piedade, casada, da Pedreira desta freguesia com um bilhete indicando o dito nome e declarando ser filho de Luiza Caçadora que o dera à luz no dia vinte dois de Junho último à meia-noite neto materno de António Rebotim e Maria Caçadora todos da freguesia do Vallado, concelho e diocese supraditos. Foi padrinho Raimundo Manoel, casado, jornaleiro e madrinha Manoella da Piedade, casada, de ocupação domestica, os quaes sei serem os proprios. E para constar lavrei em duplicado este assento,que depois de lido e conferido perante os padrinhos comigo o assignou o padrinho e não a madrinha por não saber. Era ut supra.
Raimundo Manoel
O Parocho Joaquim Henriques Farto



Moderna “roda de expostos” num hospital de Dortmund, Alemanha.
Foto Reuters, picada do artigo “O regresso da roda dos expostos”, publicado no Expresso de 28.10.2012 (http://expresso.sapo.pt/actualidade/o-regresso-da-roda-dos-expostos=f762582, consultado em 30-12-2017)





[i] Quase sempre, o pai não era, exactamente, desconhecido. Apenas, por razões diversas, não assumia a paternidade.
Note-se que, num destes casos, o pai era conhecido: “…filha natural de Joaquina da Piedade, solteira, de ocupação doméstica, natural da freguesia d’Alcaneide, concelho de Santarem, diocese de Lisboa e Raimundo Ferreiro, solteiro, trabalhador, natural do dito Carvalhal …”.
[ii] Em regra, por recurso aos assentos de casamento e óbito que, esses sim, indicam a idade do nubente ou falecido.
[iii] Legítimo era o filho concebido no âmbito do casamento de seus pais.
[iv] Ser criado de servir era, aliás, um destino natural dos enjeitados.
[v] E, onde viviam os seus pais.
[vi] Ou, alguém por ela.

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