terça-feira, 26 de setembro de 2017

Um soldado desconhecido


Porta-Bandeira do Corpo Expedicionário Português.
Aguarela do pintor e cenógrafo alcobacense Augusto Pina,
originalmente publicada na Revista Quinzenal ilustrada. Ano I, n.º 1, de 1 de Junho de 1917


Tal como então demos conta neste blog, num texto precisamente intitulado “Monumento aos combatentes”, no monumento aos combatentes ataíjenses, inaugurado no dia 18 de Maio de 2015, constam os nomes de todos os ataijenses que, no Século XX, participaram nas guerras coloniais em Angola, Moçambique e Guiné, em França na 1ª Guerra Mundial e, durante a 2ª Guerra Mundial, em missões de soberania em Cabo Verde e em Timor.

Todos os nomes, não. Já me tinha soado que talvez lá faltasse um nome e, assim é.

Na 1ª Guerra Mundial participaram, como é do conhecimento geral, José Constantino e Luís Dias[i] mas, não só.

Como se pode verificar pelos Boletins Individuais de Militares do Corpo Expedicionário Português, 1914-1918, Sargentos e Praças, documentos agora disponibilizados online pelo Arquivo Histórico Militar, o soldado do Regimento de Infantaria n.º 7 de Leiria, Joaquim Carlos, solteiro, natural de Ataíja, Alcobaça, Leiria, integrou o Corpo Expedicionário Português, tendo embarcado em Lisboa com destino a França em 20 de Janeiro de 1917 e desembarcado, no regresso, também em Lisboa, em 3 de Julho de 1919.
Em França, foi “ferido por gazes”[ii] em 7 de Agosto de 1817, em consequência do que teve 22 dias de baixa hospitalar.
Por razões que a ficha não refere foi, em 1-1-1919, punido com 30 dias de prisão correcional.

Recorrendo aos registos paroquiais de São Vicente de Aljubarrota, Baptismos, verifica-se que em 2 de Agosto de 1893 nasceu na Ataíja de Cima uma criança do sexo masculino que foi baptizada com o nome de Joaquim. Era filho de José Carlos[iii]  e de Rosa Coelho, neto paterno de José Carlos e de Joana de Horta e materno de Joaquim Coelho e de Maria da Costa.
Este Joaquim, teria em 1917 a idade de 23 anos e é, certamente, o mesmo Joaquim Carlos que esteve nas trincheiras da Grande Guerra.
Aliás, no mesmo ano de 1993 nasceu Luís Dias e no ano anterior tinha nascido José Constantino, os outros dois ataijenses[iv] que combateram em França.

Desconheço o que terá posteriormente acontecido ao Joaquim Carlos, pessoa de quem não tenho, sequer, ideia de ter ouvido falar. O mesmo com a maioria dos seus irmãos, dos quais apenas tenho memória do Matias, que foi conhecido por Matias de Horta, nascido em 1896 e que acabou os seus dias no Asilo da Mendicidade de Lisboa, em Alcobaça, depois de uma vida marcada pelo pouco juízo e a falta de gosto pelo trabalho, mas não pelo vinho. Na queda foi acompanhado pela mulher que com ele rumou ao Asilo[v].
O cunhado, a quem chamavam o Manuel Botas, seguiu percurso semelhante e foi, durante muitos anos e até ao fim da vida, pastor na Ataíja de Baixo, em casa de Francisca “Crispa”.

O apelido Carlos que aqui chegou cerca de 1830, está hoje quase extinto na Ataíja de Cima e apenas o conheço em Manuel Carlos Tomé que o recebeu através de sua mãe, Maria “Metina”, filha de Manuel Carlos[vi] e de Emilitina[vii] da Conceição.


Estes são os factos, pelo que me parece que a comissão promotora do Monumento aos Combatentes, havia de providenciar para que o nome de Joaquim Carlos lá fosse inscrito.







[i] Também usava Luís Dias Vigário e foi conhecido por Luís Barra.
[ii] O exército alemão – e depois, aliás, também os aliados -, durante a 1ª Guerra Mundial, recorreu largamente ao uso de gases. Primeiro o gás de cloro e, a partir de 1916 e em larga escala, o gás mostarda. Há cálculos que apontam para que os gases tenham afectado mais de 1.300.000 soldados, dos quais mais de 91.000 faleceram.
O gás que feriu o Joaquim Carlos foi, certamente, o gás mostarda.
[iii] Noutros assentos, este José Carlos usou os nomes de José Carlos de Horta e José Carlos Júnior.
[iv] Da Ataíja de Cima. Outros houve, da Ataíja de Baixo, do que, a seu tempo, aqui daremos conta.
[v] O Matias d’Horta e a mulher encontravam-se já asilados em Alcobaça quando foram à Ataíja e visitaram o meu avô Quitério, de quem, aliás, ele era parente. Isto aconteceu, necessariamente, antes de meados de 1955. Eu era muito pequeno, mas impressionou-me a farda cinzenta do Asilo que ambos vestiam. Isso e o que a minha avó bastas vezes me contava, da falta de cabeça de que ambos sofriam e resumia na “conversa” que atribuía ao Matias d’Horta e à sua mulher Maria Botas:
“O que é que vamos comer? – Mata-se o galo! – E, eu, vou à taberna, buscar 5 litros!”
[vi] Irmão do Joaquim Carlos.
[vii] Emilitina que a linguagem popular converteu em Metina.

1 comentário:

  1. Extraordinária a grandeza da nossa Ataija, e o conhecimento que dela chegou até nós.

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