sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Gente da Ataíja de Cima - O Padre Tomás

O Padre Manuel Tomás de Sousa, de quem já falamos no post  - Vocações Religiosas na Ataíja de Cima - nasceu na nossa aldeia, em 24 de Agosto de 1920, filho de José Luis de Sousa e de Maria Santa e aqui faleceu, em 12 de Julho de 1986.
Conhecido por toda a gente como Padre Tomás, era irmão de Abílio Tomás de Sousa e de João Tomás de Sousa, este já falecido e que foi proprietário de uma taberna na Rua das Seixeiras e era conhecido por O Petinga. (o seu pai, José Luis de Sousa, também teve uma taberna)
O Padre Tomás aprendeu a ler, num tempo em que não havia escola na Ataíja de Cima, com Joaquim Rôzo e, no Séc. XX, foi o primeiro e durante muito tempo o único, ataíjense a estudar para além da quarta classe.
Em 1935, com quinze anos de idade, entrou no Seminário de Leiria onde estudou até 1947, quando foi ordenado presbítero.
Começou a paroquiar em 1950, em Serro Ventoso e Arrimal e, em 23 de Setembro de 1951, obteve a sua primeira nomeação como pároco titular da Mendiga, onde ficou até 24 de Janeiro de 1970, quando foi nomeado pároco de Carvide, funções que acumulou, entre 1973 e 1974, com as de Vigário cooperador de Vieira de Leiria.
Em 25 de Outubro de 1978 tomou posse da paróquia da Calvaria que, a partir de 3 de Setembro de 1980, acumulou com a das Pedreiras. Em Maio de 1981 abandonou por motivo de doença as funções paroquiais, passando a exercer, até ao fim da vida, as de capelão das paróquias da Batalha e da Calvaria.

(com um agradecimento aos serviços da Diocese de Leiria-Fátima)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Tétano

O tétano, por aqui dito, muitas vezes, tétamo, é uma doença provocada por uma bactéria que desenvolve uma poderosa toxina que, entrando no sistema circulatório, provoca contracturas musculares intensas.
É mortal e a única solução é a vacinação.
Por isso, a vacinação contra o tétano está incluída no Plano Nacional de Vacinação e é administrada a todas as crianças, logo nos primeiros tempos após o nascimento. A vacinação é gratuita e todos os adultos, e especialmente os que, pela sua profissão, estão mais sujeitos a cortes ou outros ferimentos, devem manter em dia a sua vacinação contra o tétano.
A doença desenvolve-se através das feridas, ambiente propício à germinação dos esporos do Clostridium tetani, os quais se encontram comummente no solo e, em particular, no lixo, estrume e fezes dos animais.
Uma vez que os esporos apenas se desenvolvem através das feridas, esta é uma doença que, embora encontrando-se os esporos por todo o mundo, afecta, principalmente, populações pobres, rurais e profissões sujeitas a cortes com objectos metálicos sujos ou enferrujados.

Que eu tenha conhecimento, os últimos ataijenses mortos pelo tétano foram dois irmãos de José Neto, conhecido por José Diabo:
Teresa Neta, que foi casada com um indivíduo do Valado dos Frades, conhecido por O Cuco e residiu na casa onde vive actualmente a família do Ródinhas.
Faleceu nos anos cinquenta, de tétano, contraído em virtude de um golpe de enxada, no pé descalço (naquele tempo, quase todas as mulheres e crianças da Ataíja de Cima andavam descalças) quando andava a rampar.
Antes, nos anos quarenta, o seu irmão António Neto casou com Maria Caseira e morreu, sem ter tido noite de núpcias, no dia a seguir ao casamento, também de tétano, tendo a doença sido, provavelmente, provocada por um prego do calçado novo usado no dia do casamento (os casamentos faziam-se em São Vicente e as deslocações eram a pé. Esses seis quilómetros, de ida e volta, terão sido fatais em pés pouco habituados a andar calçados). Ou, talvez mais certo (a incubação demora, geralmente, um mínimo de dois dias), já tinha uma ferida infectada no pé que a viagem apenas agravou. Adoeceu logo depois do regresso à Ataíja após a cerimónia e, embora ainda transportado para Alcobaça numa carroça, não sobreviveu.

A viúva, Maria Caseira, veio a casar, em segundas núpcias, com Manuel Luís Vigário que foi conhecido por Manuel Barra (com quem viveu, antes de construir a casa da Rua das Covas, na casa que é hoje de Manuel Tomé e de Francelina) o qual, além da pobreza e dos maus tratos, - consequência de um excessivo consumo de vinho -, lhe deu um rancho de filhos dos quais apenas um reside, actualmente, na aldeia.

Opistótono (contração muscular que faz dobrar o corpo para trás) em doente de tétano.
Pintura de Sir Charles Bell - 1809, in http://commons.wikimedia.org/


domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mantas e tapetes de trapos

Os trapos velhos reutilizavam-se para, rasgados em tiras de largura entre um centímetro e um centímetro e meio que se enrolavam em forma de bola, tecer, urdidas com fio de algodão, mantas e tapetes.
Todos sabem o que são mantas e tapetes de trapos e muitos os terão, ainda, em suas casas. Mas muitos não saberão que também se faziam na Ataíja.
Agora já ninguém rasga trapos para mandar fazer mantas mas eu lembro-me de ver a minha avó Lourença a rasgar trapos e conheci, ainda, três teares: Um na casa de Maria Coelha, outro na casa de Maria Branca e um terceiro em casa do Petinga, este já sem uso, guardado em cima da cisterna que existia a um canto do barracão, nas traseiras da taberna onde, nos Domingo de Inverno, se jogava chinquilho.
Todos estes teares deixaram de funcionar nos anos cinquenta do Séc. XX e assim se extinguiu a actividade de tecelagem na Ataíja de Cima.
Eu conhecia a casa de Maria Coelha que era amiga da minha avó e lembro-me bem do tear mas não tenho memória de o ver a trabalhar.
Assim, um dos últimos trabalhos aí feitos há-de ter sido a confecção dos tapetes a que se refere a carta - que julgo ser de 1950 - que Joaquina Coelho escreveu, em nome de sua mãe ao irmão José Coelho que se encontrava a trabalhar em Lisboa.
A carta é apenas uma meia-folha que, dobrada em quatro, acompanhou os tapetes que o filho lhe havia encomendado, certamente a pedido de alguém, talvez a patroa.


Pela carta fica-se a saber que Maria Coelha tinha andado doente, com uma "pontada", (dor aguda, nas costas, que dificulta a respiração) e o preço dos tapetes que tinham, no total, dez metros de comprimento e, como era costume, uma largura que andaria entre os cinquenta e os sessenta centímetros, assim:
Meio quilo de (fio de) algodão (para urdir) - 24$00:
Trabalho de tecer - 20$00;
Dois quilos de trapos - 10$00
É curiosa a opção deixada ao comprador: pagar os trapos, ou entregar igual quantidade "nem que seja por rasgar".
A carta - lembremo-nos de que é escrita por quem nunca andou na escola formal - apresenta uma bonita letra corrida, de bom desenho e, naturalmente, alguns erros de ortografia e, claro, dificuldades na pontuação.
E uma frase muito interessante:
“causefeito a esta pontada estou um pouco milhor”.
Esta palavra, causefeito, não consta dos dicionários. Ouvia-a muitas vezes, com os significados de: Por causa e efeito de; a propósito de; relativamente a; e usava-se quando se pretendia ter um discurso mais elaborado (e as cartas, o acto de escrever que se presume pensado, apresentam sempre um discurso mais elaborado que as conversas correntes).
Quer, assim, a dita frase, dizer: relativamente a esta dor (de que tenho sofrido), estou um pouco melhor.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Vocações Religiosas na Ataíja de Cima

No séc. XX, cinco ataíjenses seguiram a sua vocação religiosa.
Uma freira, é neta de Matias Ângelo.
Os restantes quatro, curiosamente, pertenciam à mesma família:
Um padre, Manuel Tomás de Sousa, que foi conhecido por Padre Tomás e era filho de José Luís de Sousa e irmão de Abílio Tomás de Sousa, e de João Tomás de Sousa que foi conhecido por "O Petinga";
Uma freira era neta de Manuel Luís de Sousa. É a mais nova de todas e terá, actualmente, 59 ou 60 anos;
Duas irmãs, filhas do terceiro irmão, João Luís de Sousa e de Rosalia de Carvalho.
Eram elas:
Maria Carvalho de Sousa, conhecida por "Carvalha" a qual professou no Instituto Franciscanas Missionárias de Maria, onde adoptou o nome religioso de Irmã Maria Amália Teresa e foi, no final dos anos quarenta e princípois dos anos cinquenta, missionária em África (em Agosto de 1951, prestava serviço no hospital Miguel Bombarda, em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique);
Luísa Carvalho de Sousa que professou, sob o nome religioso de Irmã Maria Lúcia Jacinta, na Congregação de São José de Cluny, tendo vivido longo tempo na casa-mãe da congregação, em Paris (França).

Na fotografia seguinte, tirada em 1970, vemos estas duas freiras, numa visita à família, fotografadas junto à casa onde nasceram, a qual ficava no início da Rua das Seixeiras logo a seguir à casa, que ainda existe, da sua irmã Joaquina Rosalia.

À esquerda, Luísa Carvalho de Sousa, à direita, Maria Carvalho de Sousa, entre ambas, a sua irmã que todos conhecemos por Maria Rosalia e foi também, a seu modo, uma missionária: Não possuía habilitação específica mas era a enfermeira, correndo toda a aldeia e aldeias vizinhas a dar injecções, desinfectando a agulha da seringa pelo fogo que lançava a um pedaço de algodão embebido em álcool, numa cena que surgia aos meus olhos de criança como um poderoso ritual com o seu quê de sagrado.
À frente, sentada, está a mãe, Rosalia de Carvalho.

(com um agradecimento à Amália Sabino, sobrinha e neta das fotografadas)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Carnaval


O Carnaval deste ano foi, como todos sabemos, muito frio em todo o país.
Na Ataíja, no Domingo, assistimos ao dia 14 de Fevereiro mais frio dos últimos anos. Embora o termómetro do meu carro marcasse sete graus, um vento agreste, vindo do lado da serra, absolutamente gelado, um frio que bem conhecemos de outros invernos, transmitia uma sensação térmica muito inferior àqueles sete graus.
Com isso sofreram os festejos carnavalescos, desde logo porque muita gente não teve sequer coragem para se deslocar até ao Largo do Cabouqueiro, junto da Casa do Monge Lagareiro, optando por ficar no quentinho do Salão, onde a festa continuou, completada com a "Festa das Chouriças" e à noite com um baile animado por Zé Café e Guida.
Na terça-feira, agora com a participação de "delegações" do Cadoiço e do Carvalhal, embora com menos frio, foi a chuva que prejudicou o corso.
Foi pena, até porque o carnaval ataíjense está a ganhar notoriedade no concelho e este ano já mereceu uma referência, com fotografia, no semanário Região de Cister, hoje publicado.

Eis algumas fotografias do corso de Domingo, 14 de Fevereiro de 2010. Sempre com o magestoso cenário da Serra dos Candeeiros em fundo.

O barco dos piratas que, não fizera tanto frio, iria cheio de piratinhas:

Pioneiros da aviação enregelados:

Arlequins:

Um arlequim indecoroso que se ía cagando (cagando em quê?). Uma memória, talvez involuntária, de quando o Carnaval era Entrudo:

Fadistas:

Mas houve quem soubesse escolher máscaras adequadas ao tempo que fazia:

Fotografias de: José Quitério e Anabela Matias


Para o ano há mais.


domingo, 14 de fevereiro de 2010

Carnaval

O regresso das postagens estava prometido para amanhã.
Mas o o frio não se podia aturar e por isso o Carnaval hoje acabou mais cedo.


Os reis do carnaval ataíjense, a Mandonna e o Maikel Jaquim, lutando contra o frio e o vento:
(fotografia de Anabela Matias)

E, por hoje, é tudo ... que com o tempo que está, nem a internet se mexe.
Voltamos amanhã, como prometido.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Durante esta semana não haverá novos posts.
Estaremos de volta no dia 15, com notícias sobre o Carnaval da Ataíja.
Até lá!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Gente da Ataíja de Cima - O Quim Velho

Era o mais novo dos filhos de Manuel Luís e Maria da Graça (que teve treze partos, de que sobreviveram nove filhos).

A alcunha, que carregou desde muito pequeno, foi-lhe atribuída pela família para o distinguir do sobrinho, de idade próxima e também Joaquim que, por isso, era o Quim Novo.

Tinha as características típicas dos doentes que sofrem de trissomia 21, ou sindroma de Down, (a antiga designação de mongolismo, resultava de algumas semelhanças faciais com os povos mongóis, mas foi banida da linguagem científica), incluindo os olhos amendoados, cabeça pequena, orelhas pequenas, pescoço curto e largo, mãos e pés pequenos e quadrados, baixa estatura, língua fora da boca, (não é a língua que é grande, é a cavidade bocal que é pequena) e, consequentemente, uma grave deficiência na fala que o tornava, em regra, quase ininteligível. No entanto, quando se irritava ou bebia um copo a mais (que muitos lhe ofereciam para grande contrariedade da mãe) debitava chorrilhos de palavrões então, esses, bastante inteligíveis.

Os portadores do sindroma de Down têm, além de dificuldades cognitivas acentuadas (capacidade de aprendizagem lenta e limitada) grande propensão para doenças diversas, nomeadamente cardíacas e tendência para a cegueira, de que o Quim Velho também sofreu nos últimos anos de vida.

O sindroma de Down é provocado por uma alteração cromossómica que ocorre durante a gestação e é uma doença bastante vulgar que afecta mais de uma criança em cada mil nascimentos e tem relação com a idade da mãe, uma vez que quanto mais velha é a mãe maior a probabilidade de a criança nascer com a doença.

Para as mulheres de idade superior a 35 anos, o risco de ter um filho com trissomia 21 é significativamente mais elevado (aos 35, aos 40 e aos 45 anos de idade materna, há o risco de, respectivamente, um em cada 400, um em cada 110 e um em cada 35 recém-nascidos serem portadores de trissomia 21). Contudo, por razões que se prendem essencialmente com as taxas de fecundidade dos diferentes grupos etários, mais de 70% das crianças com trissomia 21 têm uma mãe de idade inferior aos 35 anos.

A doença não tem cura mas pode ser detectada em exames realizados durante a gravidez (amniocentese).

Muitos dos portadores do sindroma de Down falecem logo nos primeiros anos de vida mas o Quim Velho viveu até depois dos sessenta anos, ultrapassando, largamente, a expectativa de vida das pessoas com a sua doença.

Lembro-me da ti’Maria da Graça, já velha, magra e curvada, correndo, em passo miúdo e apressado, as ruas da aldeia, ao fim da tarde, perguntando se "não viram o meu Quim?".

A um irmão, ouvi dizer, com carinho: O meu Quim? É o único inteligente da família. É o único que consegue viver sem trabalhar.

Quando vejo passar uma carrinha de uma instituição de ensino especial cheia de portadores do sindroma de Down, penso sempre no Quim Velho que, naquele tempo, podia percorrer, como fazia diariamente, livre, despreocupado e em segurança, a aldeia onde conhecia toda a gente (que, quando estava alegre, cumprimentava com grandes e longos abraços) e toda a gente o conhecia e respeitava na sua diferença.

O Quim Velho foi um mongolóide feliz.

Pelos Santos populares, um grupo de rapazes foi à serra colher o alecrim com que se havia de fazer a fogueira.
O Quim Velho está de pé, de casaco, junto ao tractor.