segunda-feira, 30 de maio de 2011

Um testamento de 1822

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Escritura de Testamento de última e verdadeira vontade que fez a Srª. Micaella dos Santos Viúva do Lugar da Ataíja de Sima

Anno 1822





Saibão quantos este Público Instrumento de Testamento de última e verdadeira vontade como em Direito melhor lugar tiver virem que sendo no Anno do Nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de Mil Oito Sentos e Vinte e dois aos doze dias do Mês de Janeiro do dito Anno nesta Villa de Aljubarrota e meu Cartório apareceu prezente Micaella dos Santos Viúva que ficou de Manoel Lopes moradora em o Lugar da Ataíja de Sima termo desta dita Villa a qual eu Tabelião conheço ser a própria e as testemunhas aqui nomeadas e assignadas do que dou fé em cuja prezença a sobredita Micaella dos Santos que estava de saúde perfeita e com todo o seu Juízo e capacidade me foi dito na prezença das mesmas testemunhas do que dou fé que temendo a morte e não sabendo quando Deus Nosso Senhor será servido dar-lha por essa rezão ordenava este seu testamento para o tempo da sua Morte da última e verdadeira vontade pelo theor seguinte = Primeiro do que tudo disse que encomendava a sua Alma a Deus que a criou e a entrega a Jesus Christo que a remiu com o seu Sangue e roga a Virgem Maria Nossa Senhora interceda por ella quando deste Mundo partir = disse que queria se lhe dissesse pela sua Alma Seis mil reis de Missa e pela Alma de seu Marido Nove mil reis humas e outras dentro do tempo de tres annos depois do seu falhamento e tanto humas como outras da Esmola de Sento e vinte reis cada huma (…) herdeiro Testamenteiro abaixo nomeado as quizer (…) por uma só vez = Disse que deixava a Ricardo(ou Bernardo?) dos Santos Exposto do Hospital Real da Cidade de Lisboa que criou em sua Caza hum talho de terra de Pam com suas arvores no Sítio da Seixeira que parte de Norte com Joaquim Rodrigues e assim mais outra Fazenda Terra de Pam e pouzio tapada sobre si no Sítio da Figueirinha que parte do Nascente com Manoel Vitorino do Cadoiço cujas propriedades lhe deixa em paga e satisfação de alguma couza que lhe deva do tempo em que viveu com ella testadora … por isso que se elle legatário se opozer em todo ou em parte a este meu Testamento ou pedir ao meu herdeiro mais alguma couza então neste caso ficará sem efeito este legado e nada lhe deixo e poderá haver do meu herdeiro Quatro mil e Quatro Sentos que lhe forão Julgados no Juízo dos Orfãos de Alcobaça e he somente quanto (…) em minha consciência lhe devo = Disse que do restante dos seus bens que por sua Morte se acharem (…) instituhe por seu universal herdeiro e Testamenteiro a Paullo dos Santos que vive em sua companhia por ser o seu único amparo e ser com quem prezentemente se acha e espera que o mesmo lhe faça enquanto viva for E por esta maneira disse que tinha feito o seu Testamento de ultima vontade por estar muito de sua vontade e satisfação (…) e isto tudo por não ter descendentes nem ascendentes. Assim o Louvou e Outorgou sendo testemunhas que aqui assignarão depois deste em prezença de todos ser lido e assigna a rogo da testadora por não saber assignar José Francisco Pereira Professor de primeiras letras nesta Villa e mais testemunhas o Alferes António Gomes do Lugar da Boa Vista Felles dos Santos do Lugar do Cadoiço e Joaquim José Maricano da Cumeira José Inácio e Joaquim Ferreira ambos desta mesma Villa todas assignaram em prezença da mesma Testadora e Eu José Gomes Coelho Tabelião Público Judicial e Notas em esta dita Villa e termo que o escrevi = A rogo da Testadora José Francisco Pereira = António Gomes Coelho = De Manoel digo de José Ignácio testemunha huma Cruz = De Joaquim José Maricano huma Cruz = Joaquim Ferreira E não se contem mais no dito testamento do que dito fica e ao próprio me reporto em minha nota dadonde fielmente fiz cópia sem haver couza que dúvida fassa (…) E Eu José Gomes Coelho Tabelião Público etc.


Este testamento (cuja transcrição é da responsabilidade do autor deste blog) tem muitos pontos interessantes e curiosos que interessa rever:

1. A “modernidade” do nome “Micaela”, da testadora;
2. O apelido do seu marido “Lopes”, apelido este há muito desaparecido da Ataíja de Cima;
3. Em 1822, Aljubarrota ainda era concelho e, por isso, tinha vários funcionários, entre eles o redactor do testamento, o Tabelião (oficial público que faz e conserva as notas ou traslados de escrituras e outros documentos autênticos. Notário) do público, judicial e notas, José Gomes Coelho;
4. Os legados são feitos pela testadora a “Ricardo(ou Bernardo?) dos Santos Exposto do Hospital Real da Cidade de Lisboa que criou em sua Caza”, o que prova que, pelo menos desde o final do Séc.XVIII, se criavam enjeitados na Ataíja de Cima. Do mesmo modo, também o herdeiro designado Paulo dos Santos é, certamente e embora o testamento o não diga, enjeitado;
5. Em Aljubarrota já havia em 1822 um “professor de primeiras letras”, José Francisco Pereira;
6. A testadora e duas das testemunhas, José Inácio, de Aljubarrota e Joaquim José Maricano, da Cumeira, eram analfabetos;
7. O apelido Maricano de uma das testemunhas é, talvez, uma alcunha (por Americano?)
8. O alferes António Gomes, ou António Gomes Coelho tem os mesmos apelidos do Tabelião. Eram, provavelmente, familiares;
9. O facto de a testadora, o legatário e o herdeiro terem o apelido Santos não indicia qualquer relação familiar entre eles. O apelido Santos refere-se a Todos-os-Santos e era, comummente, atribuído a crianças enjeitadas que, por não se saber de quem eram, eram de Todos-os-Santos.

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